Sempre atenta aos livros, a professora deu “asas” para diversos políticos, entre eles, seu filho caçula
Por Daniks Fischer
Falar da mãe da gente é sempre um prazer enorme. O difícil é falar dela e não começarmos a falar da gente. Comigo não é diferente. Há cerca de uns dois meses, quando estive de visita no apartamento de minha mãe, ela apresentou-me uma encadernação chamada “Fragmentos de Vida!”, que continha praticamente toda a sua biografia.
É fácil constatar, por meio daquela publicação, que minha participação na vida pública e os estudos com a vinda da segunda faculdade não aconteceram por acaso. Mas sim, por DNA. É natural compreender que a política e os estudos estejam correndo em meu sangue. E isto eu devo à minha mãe. Lembro-me quando pequenino eu a acompanhava pelo Brasil em suas viagens nos congressos da SBPC. Recordo-me de ter visto, quando criança, um discurso bem efusivo do Lula num estádio de futebol, em São Bernardo do Campo, e por ai vai...
Pois bem, mas neste momento não quero falar de mim, vou falar dela, da minha mãe. Quero também parabenizar e agradecer a Prefeitura Municipal de São Vicente (PMSV) por manter projetos sociais como o Taychichuan da Melhor Idade, no Carrefour, que agrega profissionais de qualidade, especialmente a coordenadora Dora Elias, que, numa forma lúdica, deu oportunidade para que os “jovens” alunos de seu programa pudessem externar sua juventude trabalhando além do físico, a mente. Parabéns!
Diante do exposto, com muito orgulho, transcrevo abaixo a biografia de minha mãe, escrita no segundo semestre de 2008:
Surfista com Responsabilidade
“Aconselho às novas gerações que vivam intensamente cada período de suas vidas”
Sou Neusa Stella Aragão Di Lallo, nasci em São Paulo, em 01/02/1935, tenho 73 anos, vim residir em São Vicente definitivamente em 1963, há 45 anos.
Neta de imigrante italiano, vi meu pai lutar como operário da Pirelli e melhorar de vida pagando nossos estudos em escolas particulares, eu e minhas duas irmãs. Cresci brincando nos grandes quintais, subindo em árvores, chutando bola, etc. Gostava de plantas e de animais, dizia que queria ser fazendeira. Gostava muito de ler Monteiro Lobato e contos de fadas, logo passei para gibis e livros de viagens na adolescência. Com 16 anos morei 12 meses em Recife com minha família, meu pai foi trabalhar lá nesse período. Como não nos adaptamos a terra, retornamos um ano depois.
Durante esse tempo que residi em Recife eu passei a ler o jornal que mamãe assinava, ”O Estado de São Paulo”. Inclinei-me pelos estudos de Jornalismo, História e Geografia. Prestei exame vestibular, em todos os cursos, comecei os de História e Geografia na Universidade São Paulo, e Jornalismo, na Universidade Católica, Faculdade Casper Líbero. Mas deixei esse último curso, e prossegui na faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia - entrei lá em 1954, celebre ano do quarto centenário de São Paulo, quando foi inaugurado o Parque Ibirapuera. Aos 25 dias de janeiro aviões lançaram chuva de papel picado sobre o Vale do Anhangabaú... Destacavam-se os triângulos de papel de alumínio, ”uma chuva de prata”.
Comecei a lecionar ainda durante o curso, dei aulas na Penha, na Vila Palmeira (Freguesia do Ó), em Utinga – Santo André. Era periferia, convivi com alunos carentes. No final do curso fui com diversos colegas participar de uma excursão no Paraguai e Argentina. Fomos num avião do correio Aéreo Nacional, viajamos de navio descendo o rio Paraguai e Paraná, conhecemos muita gente. Foi uma viagem barata, mas muito proveitosa.
Tivemos uma audiência com o presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner. Pude mostrar que aprendera espanhol, falando bem. Isso porque eu escrevia cartas em espanhol, para correspondentes que tinha em vários países, como Argentina, Chile, Colômbia, México, etc. Aprendera sozinha, consultando livros e dicionários, e principalmente, ouvindo estações de rádio da argentina. Em 1952, por exemplo, eu acompanhava os discursos de Eva Perón, e depois notícias sobre sua morte.
Eu sabia que essa mulher procurava a sua maneira de ajudar os pobres, e me interessava por esse assunto, também por política, união latino-americana, gostava de Perón, que era considerado ditador. Continuei lecionando e morando com meus pais. Viajava sempre nas férias, ia para o Uruguai, Argentina e numa viajem à Bolívia conheci meu primeiro marido, pai de Ronaldo Eduardo, que nasceu no Rio de Janeiro, em 1962. Meu companheiro estudava engenharia no Rio, viajávamos muito na rota Rio-São Paulo.
Eu adorava o mar, gostava muito de nadar e pescar, por isso escolhi morar em São Vicente, onde residiam meu avós. Mas vim principalmente porque consegui umas aulas no Colégio Estadual Martim Afonso.
Em 1966, após ser aprovada em concurso, fui morar em Rancharia, na zona noroeste do Estado de São Paulo, onde lecionei como professora efetiva até 1969. Voltei como professora efetiva para o Martim Afonso, lecionei nessa escola até 1986. Fui professora de muita gente que depois se destacou na política como os ex-prefeitos Márcio França (SV), Luis Carlos Lucas Pedro (SV), Ricardo Yamauti (PG), Beto Mansur (Santos) e o atual prefeito de São Vicente, Tércio Garcia.
Sempre encontro ex-alunos dos mais variados lugares, sendo curiosa a atual “inversão”, isto é, tive aulas com professores que foram meus alunos como recentemente, o Marcos Atanásio Braga, que trabalha na Casa Martim Afonso e falou sobre encenação e a história de São Vicente.
Em 1970 casei pela segunda vez, tive um casal de filhos, separei-me em 1976. Meu segundo ex-marido faleceu há menos de um mês. Com meus filhos viajei bastante nas férias de carro, acampava em Itatiaia, ou em Parati, além de outros lugares. Meu filho caçula, Daniks Fischer, tornou-se surfista. Fomos muitas vezes a Santa Catarina.
Nas décadas de 70 (final) e 80 compareci a vários congressos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que se realizavam nos meses de julho, em várias cidades do Brasil. Tornaram-se celebres as lutas do SBPC contra a ditadura militar. Ali em São Paulo, Campinas, Fortaleza, Belém, Salvador, etc. Pude conhecer vários líderes, pensadores, políticos, cientistas, etc. E sempre comprava vários livros, que eram acrescidos à minha volumosa biblioteca.
Preocupava-me com o social, o direito dos mais humildes, o respeito aos direitos humanos. Fazia meus alunos lerem jornais, e também pedia que comentassem as notícias por escrito e oralmente. Levava os jornais censurados na classe, mostrando como a censura agia, quais as notícias censuradas.
Na década de 80 aposentei-me em 1986, mas prestei novos concursos e continuei trabalhando, principalmente na Praia Grande. Durante algum tempo trabalhei também na biblioteca, uma interessante experiência.
Também nessa década compareci a vários comícios da campanha Diretas Já, em 1984. Entusiasmava-me com as perspectivas de democratização do Brasil. Fui à Praça da Sé e também a Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, ao lado da igreja da Candelária, ouvir grandes líderes. Estive com colegas também em São Bernardo, ver Lula, o novo líder que despontava.”
Cheguei a lecionar no Rio por pouco tempo, viajando todas as semanas. A partir de 1986 realizei uma atividade física constante, o surf com body boarding, acompanhando meu filho surfista. Hoje várias senhoras praticam o esporte (mas naquela época eu era a única mulher com mais de 50 anos que surfava). Pude então conhecer os melhores surfistas do Brasil e alguns até do exterior, nos campeonatos.
Alguns deles até hoje perguntam por mim, quando falam com meu filho, no Havaí ou em outro lugar. Sentia-me muito bem, treinava duas vezes ao dia no mar. Viajei a Saquarema, Joaquina, Imbituba, enfrentei grandes ondas em Pitangueiras e Praia de Pernambuco, além da Barra da Tijuca, etc.
Já na década de 90 diminuí o ritmo dos treinos para dedicar-me mais aos alunos e cursos que freqüentei. Fiz curso de pós-graduação lato sensu na UNESP, além de vários outros, inclusive na USP.
Como diminuí os exercícios, engordei bastante. Em 2004 aposentei-me definitivamente, no mesmo colégio em que começara aqui em São Vicente, o Martim Afonso.
Minha primeira neta nasceu em 1991, só assim pude perceber que o tempo passara, mas de certa forma ainda me sentia jovem e capaz de realizar múltiplas atividades.
A idade madura foi um período de reflexão e muitas realizações. Não me sentia idosa com 60 e tantos anos. Mas aos 70 completados em 2005 trouxeram além de aposentadoria automática, uma série de reflexões sobre as mudanças ocorridas.
Entrei na universidade aberta à Terceira Idade, na UNIFESP, e pude assim ter aulas e conhecer uma série de textos muitos interessantes, que permitiram adaptar-me a essa idade com mais facilidade como: ”A importância da atividade física no processo de envelhecimento”. Estudei demais e pude apresentar um bom seminário junto com meu grupo de colegas.
O sedentarismo já tinha feito aparecer alguns problemas, como pressão alta, por exemplo. Resolvi freqüentar as atividades físicas oferecidas pela prefeitura de São Vicente no Carrefour, onde conheci colegas gentis e excelentes professores. Já conhecia o professor Paulo Henrique da UINFESP, aliás, ele foi um dos professores que comentou o já citado seminário.
Sinto-me bem melhor, a pressão não tem subido mais, a disposição física é bem mais acentuada do que antes. “Aconselho às novas gerações que vivam intensamente cada período de sua vida, que façam o que gostam, mas sempre respeitando os limites dos demais”. Mas que não deixem de praticar sempre uma atividade física moderada regular, pois assim poderão usufruir mais anos de vida saudável.
Recomendo também que procurem ler e desenvolver as atividades intelectuais, e que não deixem de ter vida social no resto de seus dias. Que respeitem os humildes, e que façam trabalho voluntário.
Neusa Stella Aragão
Neusa e seu filho, Daniks Fischer
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